Composições - Esferas



Esferas

Tiago Kreutzer

Esferas é uma peça para 4 flautas (soprano, contralto, tenor e baixo), 4 serrotes e piano, e mostra como nascem os harmônicos e como estes aprendem a fazer esferas sonoras.

Em um ambiente representado pelas flautas, aparece o piano, que seria como um Deus gerador de harmônicos, o qual, durante a peça vai descobrindo como gerar harmônicos autônomos - os serrotes, e dá a eles, por meio de movimentos sonoros, a capacidade de produzir esferas sonoras.

Baseando-se na parte das flautas, essa peça tem uma estrutura formal contínua, gerada por um processo de composição, contruído a partir da repetição de padrões rítmicos, que leva a uma ausência de melodias, fazendo então com que o conteúdo tocado pelas flautas não tenha objetivos direcionais ou dramáticos.

Todos esses elementos são elementos estéticos minimalistas, que fazem então a parte das flautas ser música minimalista. Por isso, a função espressiva das flautas se dá na sua representação na peça, sendo elas o ambiente desta, ou seja, o pano de fundo para os acontecimentos do piano e dos serrotes.

Foram usados, para a construção deste processo composicio-nal, processos minimalistas, sendo estes processo de troca de fase ou defasagem, e processo de adição/subtração linear. A construção do processo se deu da seguinte forma: no início, temos um fragmento de 2 tempos que se repete nove vezes. Adiciona-se 1 tempo a este, e entra então um fragmento de 2 tempos em outra voz, resultando 3 tempos num e 2 em outro. Se repetirmos o primeiro fragmento duas vezes e o segundo três vezes, observaremos uma defasagem do primeiro tempo do fragmento menor em relação ao primeiro tempo do outro, mostrando, assim, todas as possibilidades de combinação entre eles, formando um ciclo de defasagem. Estabelecido que cada ciclo repetir-se-á duas vezes, cada uma das partes repetem-se quatro e seis vezes, o fragmento maior e o menor, respectivamente. Então, adiciona-se 1 tempo ao fragmento menor, ficando ambos com 3 tempos, sendo esse um ciclo de encontro, que se repetirá duas vezes. Portanto, cada fase das flautas tem dois ciclos. Segue-se essa lógica de aumentar e defasar os tempos até a fase de defasagem que tem 9 e 8 tempos. A fase em que ambos os fragmentos teriam 9 tempos foi suprimida com uma intervenção do piano, que explico a seguir. Então as flautas tocam o que já tocaram, agora no sentido retrógrado, fazendo com que as fases percam progressivamente 1 tempo até a fase de 2 tempos.

A ligação das flautas com o piano e os serrotes é veículada pelos espectros de ressonância harmônica, ou seja, pelo uso de harmônicos dos espectros de notas fundamentais escolhidas para cada fase das flautas, mais as do espectro de dó. Ou seja, todas as notas das flautas estão nas séries harmônicas de cada nota fundamental de cada fase ou na série harmônica de dó.

Entendo como série harmônica a representação gráfica do espectro harmônico de uma nota fundamental, e o espectro harmônico como o próprio som dos harmônicos de alguma nota fundamental.

Utilizo uma linguagem musical baseada nas relações harmônicas entre as notas, ou seja, nas relações entre os espectros harmônicos, combinando espectros, ou seja, somando os espectros de duas ou mais notas fundamentais ( o que fará com que alguns harmônicos soem mais do que outros), substituindo qualquer relação tonal ou modal entre elas. Vejamos alguns exemplos:

1) para gerar um harmônico de Fá#, podemos combinar os espectros das notas Si, Dó e Ré, sendo o Fá# o 3º harmônico de Si, o 11º de Dó e o 5º de Ré.

Podem-se fazer relações mais complexas, o que obviamente vai dificultar a sua audição.

2) para se ter o mesmo harmônico de Fá#, podemos combinar os espectros de Sol, Sol#, Lá# e Mi, sendo o Fá# o 15º harm. de Sol, o 7º de Sol#, o 13º de Lá# e o 9º de Mi.

3) para nascer o segundo serrote, que nasce na nota Mi, foram combinados todos os espectros harmônicos de notas fundamentais que dispusessem em sua série harmônica a nota mi. São elas: Dó, Dó#, Ré, Fá, Fa#, Sol, Lá e Sib.

Para que seja possível essa ressonância de harmônicos é nescessário que, desde o início até o final da peça, o pedal que libera os abafadores das cordas do piano permaneça pressionado ininterruptamente.

O piano é, como já foi dito, o elemento gerador da peça. Sua participação é fundamental, pois ele dá a "cama" harmônica para as flautas e para os serrotes. Ele vai surgindo aos poucos, tocando oitavas graves. Aparecem, depois de notas graves tocadas em f ou ff, notas agudas em pp, p ou até em mp, sendo essas notas sons harmônicos que "pipocam" das notas graves. Todas as notas graves ou gravíssimas do piano são notas fundamentais, ou seja, elas ali estão para permitir que soem seus respectivos espectros.

Durante a primeira metade da peça, o piano faz tentativas fracassadas de gerar harmônicos autônomos - os serrotes -, até que ele cresce em energia e faz parar o ambiente, como um basta. Então faz o seu discurso como um ritual para o nascimento de um serrote. São usadas aí todas as notas fundamentais das fases das flautas. No momento da entrada do serrote, o ambiente também coopera. Nasce um harmônico. Aos poucos, o piano descobre que este harmônico não tem a capacidade de se movimentar sozinho, e para isso se faz nescessário algum gesto combinando espectros harmônicos, como se fossem gestos mágicos. A partir daí, aqueles harmônicos que "pipocavam" das notas graves do piano se organizam, fazendo parte, agora, destes gestos para a movimentação e para o nascimento dos serrotes. O terceiro serrote nasce na nota Ré, gerados pelos espectros das notas Dó, Mi, Mib, Fá#, Sol, Láb e Sib. Na fase de defasagem de 7 e 6 tempos, na segunda metade a peça, foi suprimida no piano, por um certo tempo, a nota fundamental da fase, que é um Lá, sendo usadas todas as notas que têm em sua série harmônica a nota Lá. O quarto serrote nasce na nota lá, da combinação dos espectros de Lá, Si, Sib, Dó#, Ré, Mib, Fá e Sol. A partir daí, a preocupação do piano é ensinar os serrotes a produzir esferas sonoras. Após alguns gestos, nescessários para tal fim, o piano explode em clusters, que vão dar a energia nescessária para que os serrotes adquiram a independência para "desenhar" livremente as esferas sonoras. Ele dá então sua palavra final com a nota Dó e permite ainda que alguns harmônicos confirmem sua retirada.







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